“Tento sempre encontrar pontos de prazer no meu trabalho, por isso ir parar muito a projetos na rua e ao ar livre. A missão da Doca da Marinha é, claramente, aproximar as pessoas do rio”, refere Bernardo Delgado, CEO do Lean Man Group, empresa concessionária da Doca da Marinha durante 15 anos e proprietária da rede Banana Café, com 12 quiosques em Lisboa, entre outros negócios.
A Doca da Marinha, que é inaugurada oficialmente esta terça-feira, 10 de janeiro, entre a Estação Fluvial Sul e Sueste e o Terminal de Cruzeiros, em Lisboa, é o mais recente projeto do Lean Man Group, no qual está a investir €3,15 milhões, divididos maioritariamente entre capitais próprios e de parceiros (Central de Cervejas, Heineken, Grupo Nabeiro) e empréstimo bancário (25% do investimento), revela Bernardo Delgado, que espera recuperar o investimento em três/quatro anos.
O projeto, com cerca de 20 mil metros quadrados de área e que cria 100 postos de trabalho, tem três eixos de atuação: restauração, eventos e relação com o rio. O restaurante e os três quiosques de comida e bebida, geridos pelo chef com duas estrelas Michelin Miguel Rocha Vieira, são a âncora da Doca da Marinha. Os próprios quiosques, que exibem a última intervenção artística de Julião Sarmento (três painéis luminosos, amarelo, azul e vermelho), aliás, são um chamariz irreverente. A denominação e cor de cada painel (Yellow, Blue e Red) estão desencontradas do nome de cada quiosque, sendo o Yellow o Azul (marisqueira), o Red o Amarelo (petiscos) e o Blue o Vermelho (brunch e vegetariano).
“O Carrilho da Graça (arquiteto do projeto) achou que fazia sentido criar confusão entre o nome do quiosque e a cor da obra”, refere Bernardo Delgado
“O Carrilho da Graça (arquiteto do projeto) achou que fazia sentido criar confusão entre o nome do quiosque e a cor da obra”, refere Bernardo Delgado, salientando a vertente divertida de todo o projeto, refletida na sua identidade visual, que será revelada aquando a abertura do restaurante, durante o primeiro trimestre de 2023. O novo restaurante, que marca o regresso do chef Miguel Rocha Vieira a Portugal, é o segredo mais bem guardado de todo o projeto, mas certo é que servirá de ligação ao rio, com acesso direto para barcos de pequena dimensão, através de uma escada já existente e de um pontão que virá a ser instalado.
“O Miguel aceitou pôr as estrelas Michelin de parte – que para nós não era uma hipótese e nisto estávamos ambos na mesma página – e apostar num conceito divertido, onde vamos dar protagonismo aos empregados da sala, acabar muitos pratos à mesa e segmentar a doca para os vários perfis de portugueses. Dentro do posicionamento de restaurante lúdico com a vertente noturna, achamos que há espaço para crescer através da qualidade e, daí, a escolha do Miguel faz todo o sentido”, refere Bernardo Delgado, justificando a opção por um chef com estrelas Michelin quando a Doca da Marinha não se posiciona na alta-cozinha.
A dinamização cultural e os eventos são o segundo eixo de atuação da infraestrutura reabilitada em 2021 pela Câmara Municipal de Lisboa e pela Associação Turismo de Lisboa, num investimento de cerca de €27 milhões. Os mercados fixos a partir de março, os Santos Populares em junho e o festival de peixe e marisco, Heróis do Mar, em setembro, são alguns dos acontecimentos já agendados. Uma parada náutica, concertos de jazz, DJ Sets com novos talentos, cinema ao ar livre, exposições de arte urbana e mercados de inverno, de plantas e flores são outras das iniciativas.
A relação com o mar e com o rio, dos quais o projeto é indissociável, é o terceiro eixo desta nova centralidade de restauração e lazer junto ao Tejo. “A próxima fase será em 2024, com a vertente marítimo-turística, a trabalhar a doca com passeios no rio. Com esta infraestrutura conseguimos proporcionar experiências únicas, por exemplo, sair daqui com um cesto de piquenique com um menu e uma garrafa de espumante e ir até à baía do Seixal ou ir para linha de Cascais”, avança Bernardo Delgado, sustentando que a relação com a outra margem vai ser cada vez mais o caminho para Lisboa crescer.
“É uma opinião muito pessoal, mas a cidade tem vivido de costas para o rio e a maneira de aproximar é aproximando as duas margens”, argumenta o CEO do Lean Man Group
“É uma opinião muito pessoal, mas a cidade tem vivido de costas para o rio e a maneira de aproximar é aproximando as duas margens. Basta olhar para a história de Portugal, virámo-nos para o rio e para o mar e tivemos imenso sucesso, virámos-lhe as costas e não correu tão bem.”, argumenta o CEO do Lean Man Group, que aos 39 anos lidera um desafio bastante mais arrojado do que o que tem feito até agora.
O seu projeto mais visível é a rede Banana Café, que começa em 2011 com seis quiosques na avenida da Liberdade e que hoje totaliza 12 pontos de venda espalhados por Lisboa, ao qual soma o Ministerium, na praça do Comércio. O espírito empreendedor e o gosto pela restauração, porém, manifesta-se muito antes, aos 15 anos, quanto tem o primeiro trabalho numa empresa de catering para um evento na Torre de Belém.
Bernardo Delgado licencia-se em Gestão, no Instituto Superior de Economia e Gestão, e vai trabalhar para a Deloitte como consultor estratégico e de operações em telecomunicações e media. Acaba por perceber que não tem perfil para o fato e gravata, ao mesmo tempo que deteta uma oportunidade de negócio na falta de vida de rua em Lisboa, que começa por explorar com uma carruagem de elétrico, em Belém. A aplicação digital It’s Appening (agenda cultural e de lazer) e o Mercado de Natal do Terreiro do Paço são outros dos projetos que desenvolve ao longo da carreira, aos quais se juntam, mais recentemente, a aquisição de uma fábrica de brinquedos e um projeto de transporte autónomo de pessoas e mercadorias.
“O meu sonho é criar um grupo de família, que não vou ser eu quem vai gozar, mas as próximas gerações bem educadas, que vão dar continuidade a isto”, refere Bernardo Delgado, defendendo que “não há projeto que prevaleça sobre a família, porque nada disto é possível sem a minha família”. Neste momento, a faturação do grupo que dirige já se divide 50%/50% entre a indústria e a restauração. “Acredito muito na restauração e na hotelaria. A comida e toda a experiência em torno disso dizem muito de um país. Vamos ter um ano desafiante com o aumento dos custos energéticos, dos preços e da dificuldade em recrutar talento”, reconhece o CEO do Lean Man Group, defendendo que a maior iniciativa que o Governo podia ter para ajudar a restauração seria arranjar um regime fiscal para a compra de produtos portugueses. “Era só dar um incentivo que ajuda todos e beneficia a economia circular e local, que é mais sustentável”, conclui.